«Uma amiga telefonou-me trepidante: Thomas Bernhard está em Sintra. Sim, tenho a certeza, não alucinei. Vi-o com os meus olhos no Café Central. Ou está hospedado no Tivoli ou em Seteais. Tu não imaginas o que é vê-lo sentado a uma mesa a beber café e a olhar em frente.
(...) Fechei os olhos para me concentrar e quando os abri tinha o senhor Thomas Bernhard sentado no sofá de veludo azul à minha frente. Não havia dúvidas: o nariz proeminente, o cabelo esbranquiçado penteado para trás, o jornal de Zurique, que eu sabia ser o seu favorito, numa mão. Trazia calças de caqui creme, uma camisa azul-escura aberta no pescoço envolto por um lenço também creme, meias azuis e impecáveis sapatos brancos. Normalmente não são coisas às quais dou a importância necessária para fixar. O que eu fazia era protelar o momento da decisão. Como todos sabemos, imaginamos mil e uma maneiras como vai decorrer um encontro e o que acontece é precisamente a única coisa na qual não tínhamos pensado. Foi o senhor Thomas Bernhard que me dirigiu a palavra. Depois de me pedir desculpa por me incomodar, perguntou em que língua podíamos falar. A que distância se encontra o mar? Como se pode lá chegar?»
De O Mundo É Tudo o que Acontece, de Pedro Paixão.