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Quetzal

Na companhia dos livros. O blog da Quetzal Editores.

No próximo dia 12 de março, data em que se assinala o 147º aniversário do nascimento de Raul Brandão, decorrerá um encontro de homenagem ao escritor na Biblioteca Municipal de Guimarães, com a presença dos maiores especialistas na obra brandoniana. Além de uma série de palestras e leituras, será exibido o filme O Gebo e a Sombra, de Manoel de Oliveira, e realizada uma visita guiada ao espólio doado pelo escritor à Sociedade Martins Sarmento. Vasco Rosa, que organizou para a Quetzal o volume A Pedra Ainda Espera Dar Flor, fará uma das palestras com o tema «Raul Brandão em África.»

 

"O Brandão memorialístico assoma, aqui, com a mesma fulgurância em páginas dedicadas a contemporâneos – Nobre ou Fialho – e nas que consagrou a nomes como Garrett. Por outro lado, o crítico – literário, teatral e artístico – pronuncia-se sobre figuras como Pascoaes, Jaime Cortesão, ou Teixeira Lopes. O mesmo poderio expressivo e retórico, aplica-o em momentos menos definíveis – “tinha sido apalpada pela dor, esvaziada de lágrimas e de gritos” – mas sempre singulares."

 

Hugo Pinto Santos, Time Out

 

«”A vida passada em bibliotecas permitiu-me manter, nestes últimos anos, um interesse contínuo pela obra dispersa de Raul Brandão e identificar uma apreciável quantidade e qualidade de novos textos velhos.” Assim construiu Vasco Rosa a sal metodologia de investigação. Vasculhar em jornais é, de resto, paixão antiga e já deu origem a muitos volumes, de Alexandre O’Neill a Miguel Esteves Cardoso. Este dedicado a Raul Brandão é a reedição, revista e aumentada, de dois tomos que lançou em 2006, na Ambar, com os títulos Lume sob Cinzas e Paisagem com Figuras. São textos praticamente desconhecidos no nosso tempo mas que explicam muito do sucesso que o escritor teve ao longo da sua vida (nasceu em 1867 e morreu em 1930). Se antes conhecíamos os comentários elogiosos sobre alguns textos que o autor de Húmus escreveu – como é o caso das reportagens sobre jovens delinquentes, sem-abrigo, presos ou hospiciados em Lisboa – agora podemos lê-los como se tivessem sido escritos hoje. Em suma: artigos que explicam e contextualizam as suas obras, os seus gostos, o seu pensamento e os seus afetos.»

 

Jornal de Letras

 

«Conhecemos esta mundividência dos seus livros inclassificáveis e esplêndidos, aos quais A Pedra Ainda Espera Dar Flor acrescenta centena e meia de artigos, prefácios, resenhas e divagações. O inexcedível Vasco Rosa, que tinha reunido em dois volumes boa parte destes dispersos, oferece-nos agora uma edição aumentada e num único tomo, resgatando de jornais antigos mais umas quantas dezenas de textos. Estes dispersos são como que esboços das obras canónicas de Brandão, contos lúgubres, histórias de pescadores, monólogos, prosas poéticas, páginas memorialísticas. Os textos mais notáveis são os jornalísticos, etnográficos e impressionistas, nomeadamente as entrevistas ou reportagens com gente que trabalha e sofre.»

 

Pedro Mexia, Expresso´

 

«O que mais se destaca neste conjunto de textos de imprensa é a qualidade da prosa. E o negrume. Por todo o lado há húmus, pescadores, amargura infinita, água escura, ventania, «noite camilesca» e revolta. Camilo, o génio que em nada deixa de meter coração e raiva, é o seu modelo, até porque encontra dor em tudo: «Camilo, pelo seu tipo de romântico, com a vida batida a galopadas, de raptos, de amores, de rija pancadaria» (p. 80). No enterro de Guerra Junqueiro, o cronista recorda os humildes, os pastores, as mulheres parindo filhos para a desgraça e a dor (p. 75). Silva Pinto é menos a sua obra do que um homem apegado à bengala, arrastando uma perna, com os cabelos já brancos e agitados, e sempre furioso com todos: «Se há homens que nascem com esta sina, sofrer, Silva Pinto é um desses» (p. 102). Aníbal Fernandes Thomaz, homem de biblioteca «que cheira um nada a bafio», confessa-lhe: «O que eu tenho sofrido!...» (p. 108). Com a sua pomposidade, Almeida Garrett é uma caricatura andante que envergonha: «quando um janota qualquer finge que tem cabelos e se aperta com um espartilho, não sofre: a futilidade dá-se bem com a futilidade. Mas um homem de génio nunca desce, sem sentir que se rebaixa.» (p. 72). É caso para dizer que os livros, os lugares e as pessoas (povo, amigos escritores) são construções de Raul Brandão, são o próprio Raul Brandão. O mundo existe no interior do escritor. As pessoas e os lugares são como ele os imagina. Nada existe fora do cérebro porque no fundo a única realidade existente é o eu.»

 

Paulo Rodrigues Ferreira, Orgia Literária

 

 

Raul Brandão nasceu a 12 de março de 1867, na Foz do Douro, no Porto. Viveu entre 1886 e 1901 em Guimarães, cidade que deu o seu nome à Biblioteca Municipal. Estivemos lá, no dia 12 de março, para mais uma apresentação de «A pedra ainda espera dar flor», os textos dispersos - e muitos deles inéditos - reunidos por Vasco Rosa. Na imagem, Vasco Rosa; a Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Guimarães, Dra. Francisca Abreu, e o Professor José Carlos Seabra Pereira, da Universidade de Coimbra.

Aqui fica o texto lido pelo organizador desta colectânea, na noite em que se celebrava o nascimento de Raul Brandão: 

 

 

«Muito obrigado pelas suas generosas palavras, meu caríssimo Professor José Carlos Seabra Pereira. Quando me apresentou no colóquio sobre Raul Brandão em Manaus, em Agosto do ano passado, fiquei vermelho como um tomate. Hoje senti-me já vermelhusco como um pimento ao sol numa banca de feira minhota. Que acontecerá numa próxima ocasião brandoniana?!... Bem haja por ter enriquecido este lançamento com o valor da sua palavra, a lição da sua sabedoria e a dádiva do seu tempo.


Quero naturalmente agradecer à Câmara Municipal de Guimarães, na pessoa da Sra. Vereadora da Cultura Francisca Abreu, à Biblioteca Municipal e à Dra. Ivone Gonçalves, sua directora, e à cooperativa A Oficina, a oportunidade de aqui estar no dia do aniversário do escritor, nascido há 146 anos no Porto, mas tão profundamente vinculado a Guimarães. E quero agradecer muito ao arquitecto arquitecto Manuel Roque e engenheira Estrela Roque a visita que nos concederam à famosa Casa do Alto, em Nespereira, e felicitá-los como português pelo belo restauro que ali empreenderam, salvaguardando a memória desse ícone da vida e da obra de Raul Brandão, cuja intensidade carismática percorreu gerações e brilhará ainda por muitas mais.


Permitam-me uma nota pessoal e que dedique as palavras que se seguem ao meu filho Tomás, que dentro de poucas horas fará 20 anos e que só não está fisicamente entre nós por se encontrar na Lituânia, num semestre de Erasmus.

 


Todo o tempo que dediquei à pesquisa dos dispersos de Raul Brandão dou-o por muito bem empregue, pela certeza, sempre crescente e confirmada, de que publicá-los representaria um grande avanço para uma leitura mais completa da sua obra literária e para uma compreensão mais ampla da sua vida enquanto escritor que também foi um homem de jornais. A biografia que Guilherme de Castilho lhe dedicou em 1978, e que eu, também com 20 anos, curioso por biografias, então li, deixava já muitas indicações a quem quisesse aventurar-se na reconstituição e publicação dos artigos e crónicas que Brandão escreveu em revistas literárias e em jornais. Vinte anos depois, em 1998, dirigindo a editora Cosmos, pude perceber que a tese académica de Vítor Viçoso sobre Raul Brandão, produzida anos antes, estava ainda por publicar e tomei a iniciativa de promover a sua edição, como contraforte das obras do nosso escritor então em curso de publicação numa série de Clássicos Portugueses. Também neste seu importantíssimo estudo, este professor da Faculdade de Letras de Lisboa comentava e discutia textos de Raul Brandão em jornais como Correio da Manhã, da década de 1890, aos quais dava especial significado, sem que os mesmos pudessem ser lidos em qualquer um dos seus livros. Também o precioso Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa (1900- 1940), de Daniel Pires, e o catálogo da exposição na Biblioteca Nacional por ocasião dos cinquenta anos da morte de Raul Brandão, acrescentavam o registo de outras publicações a que dera contributos literários, e ainda inéditos em livro. 

 

Por tudo isso, quando, poucos anos depois, em 2004, desenvolvi o projecto de uma colecção de livros de escritores-jornalistas, a escolha de Raul Brandão era para mim das mais evidentes. Foi assim que preparei o livro Sonhos, chamando a título uma das palavras centrais da mundividência brandoniana. A colecção tinha carácter efémero, dada a sua circulação restrita a bancas de jornais, o que me deixou campo aberto para fazer dois anos depois uma reedição revista e muito aumentada, já em dois volumes, pela editora Ambar, do Porto: Lume sob Cinzas e Paisagem com Muitas Figuras. Alarguei já aqui o fôlego e o raio de acção dessa arqueologia literária, praticamente duplicando a recolha precedente. Os leitores fiéis e reincidentes dos livros de Raul Brandão devem ter tido curiosidade por essas novidades velhas, porque a edição de 1500 exemplares esgotou-se em poucos anos, o que me deu a possibilidade de trabalhar com vista a uma nova edição, ainda mais reforçada que a anterior. 

 

Este work in progress, esta possibilidade de acrescentar materiais a um trabalho anterior, que a pesquisa, o acaso e a generosidade de amigos — entre os quais quero evocar aqui o sr. Luís Amaro, antigo colaborador da Fundação Calouste Gulbenkian — permitiram localizar e integrar, fazem desta edição de Dispersos de Raul Brandão uma recolha quase absoluta dos seus trabalhos publicados na imprensa. Escrevo quase absoluta porque seria audaciosa petulância supor que nada me escapou, ou que nenhum jornal contendo colaboração do nosso escritor foi irremediavelmente destruído pelos elementos e pelo descuido do Homem e das instituições. Quem nos pode garantir que em algum jornaleco de remota província, daqueles que duraram escassos meses, como houve tantos em finais do século xix e inícios do xx, não nos surgirá um dia, para nosso espanto e júbilo, uma crónica, um conto, uma narrativa de viagem do autor de Húmus? Quem pode dizer que a descoberta do passado foi concluída? Ninguém pode. Mas ainda bem! 

 

Na minha actividade, preparei outras recolhas de escritos de autores de que gosto muito, mas em nenhuma delas fui tão longe como com Raul Brandão. Tão longe na extensão do esforço dispendido e tão longe, também, na busca de entendê-lo tão bem para que, desse modo, o meu trabalho de editor fosse o mais claro, objectivo e discreto possível. Obviamente, a minha cabeça e a minha mão não são a do escritor, o título do livro, a organização, designação e sequência dos capítulos são todos meus, mas acredito ter conseguido que a letra e o espírito deste livro sejam imediatamente reconhecíveis pelos leitores habituais da obra de Raul Brandão como um trabalho dele. 

 

Estes dispersos são como peças de um puzzle que acrescentam, preenchem e completam a paisagem da obra literária de Raul Brandão. Muitos destes textos podem surpreender até os leitores mais fiéis da sua obra, que sabem que os temas e as personagens são recorrentes, o que aqui se confirma amplamente. Vão gostar de ler textos sobre os pescadores escritos duas décadas antes do grande livro dedicado às gentes do mar. Quem é mais atento à dramaturgia de Raul Brandão encontrará aqui páginas de crítica que iluminam a sua vontade de renovação do teatro do seu tempo. As suas preocupações sociais  estão espelhadas em reportagens em presídios, abrigos e lares de idosos e no capítulo «A voz do homem», que aborda o anarquismo, a revolução francesa, o sacerdócio católico, o humanitarismo internacional, e o golpe militar de 5 de Outubro que em 1910 impôs a república a Portugal. A sua faceta de crítico literário aparece pela primeira vez, a par de páginas de outra tonalidade que poderiam ter sido entremeadas às suas Memórias. Alguns escritos sobre a paisagem portuguesa dão-nos o melhor do escritor que foi também um colorista exímio.

 

Muito pode ainda ser feito por Raul Brandão e Guimarães, a que ele esteve tão profundamente ligado e que conserva o seu espólio literário, tem condições e créditos especiais para chamar a si o protagonismo de uma campanha pelo seu reconhecimento como um grande escritor europeu e universal. Que as oportunidades perdidas não travem a Cidade nessa tarefa infinita de lembrar, prestigiar, ler e dar a ler um dos melhores escritores portugueses de todos os tempos.

 

Muito obrigado!!»


 

Realiza-se na próxima quinta-feira, dia 7 de março, às 18h30, o lançamento do livro de Raul Brandão, A Pedra Ainda Espera Dar Flor, organizado por Vasco Rosa. O livro será apresentado por Otavio Rios e Vítor Viçoso. O evento terá lugar no Centro Nacional de Cultura, Largo do Picadeiro, nº 10, 1º.

 

«É isso que sobretudo fascina na escrita de Raul Brandão: mesmo quando fala da dor e do mal, faz isso de forma poética, como se as palavras pudessem aveludar os sentimentos e estes não fossem espinhos de uma rosa. Bonita mas que pica. A Pedra Ainda Espera Dar Flor é uma forma magnífica de procurarmos descobrir a sua obra.»

 

Fernando Sobral, Jornal de Negócios

 

O lançamento do livro, que já está nas livrarias, será no próximo dia 7 de março, às 18h30, no Centro Nacional de Cultura, com apresentação de Maria João Reynaud, Vítor Viçoso e Otavio Rios, e com a presença de Vasco Rosa, organizador deste volume.

 

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