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Na companhia dos livros. O blog da Quetzal Editores.
João Pereira Coutinho na sua coluna da Folha de São Paulo
Nas livrarias desde a passada sexta-feira, o livro «maldito» de Rentes de Carvalho terá uma 2ª edição. Publicado em 1975 na Holanda, Portugal, a Flor e a Foice nunca tinha sido editado em Portugal. No ano em que se assinala o 40º aniversário da Revolução dos Cravos, este olhar heterodoxo sobre o período revolucionário está a cativar os leitores portugueses.
«Os cravos simbolizaram a esperança, mas a foice que os cortou não foi, como por um instante se temeu, ou fingiu temer, a do papão comunista, sim a dos lobos que a traziam escondida sob o disfarce de cordeiros.»
J. Rentes de Carvalho
«De início, não houve interesse em publicá-lo porque a minha visão do que se estava a passar era considerada desagradável e incómoda.»
Entrevista ao Atual
«As pessoas até aos 40, 50 anos vão ficar tristes ou assustadas com a revelação. Depois, os mais velhos, dos 60 anos para cima, vão-se dividir em duas categorias: aqueles que, contra toda a evidência, continuarão a acreditar que houve uma revolução muito bem feita e muito feliz, e os outros, que se vão dar conta de que nem tudo o que reluz é ouro.»
Entrevista ao i
Excerto da entrevista de J. Rentes de Carvalho ao Expresso (Atual).
«Este livro, escrito entre abril de 1974 e outubro de 1975, nunca foi publicado em Portugal. Porquê?
De início, não houve interesse em publicá-lo porque a minha visão do que se estava a passar era considerada desagradável e incómoda. Mesmo na Holanda, teve uma única edição, pequena, e só saiu uma crítica ao livro num jornalzeco belga. Por causa do meu pessimismo, chamaram-me filho da puta, vendido ao capital e mais não sei quê. Demorou trinta anos para que os meus amigos socialistas, que na altura me abandonaram, começassem a dizer: “Olha lá, se calhar tiveste um bocado de razão, só que foi cedo demais.” A verdade é que ao mostrar o manuscrito ao Manso Pinheiro, editor da Estampa, já nos anos 80, ele explicou-me que o livro continuava a não ser publicável, “nem agora, nem daqui a dez anos, nem daqui a vinte”.
E que justificação deu para essa recusa?
Nos anos 80, este assunto ainda era intocável.
O problema era a falta de recuo histórico?
Não. O problema era contrariar as grandes certezas saídas da Revolução dos Cravos. Um sujeito vir dizer estas coisas não caía bem. Não vendia livros. E era até capaz de dar cadeia, sei lá.»
Para quem não pôde estar presente no lançamento de Portugal, a Flor e a Foice, fica aqui o texto lido pelo autor, J. Rentes de Carvalho.
«A sabedoria popular é fraca justificação, mas há alguma verdade no provérbio que diz: burro velho não toma andadura.
O Francisco correu o risco de editar um livro incómodo, contracorrente, e isso lhe agradeço. Mas de facto, pelo que lhe estou profundamente grato, é por me ter trazido de volta à literatura a que pertenço.»
«Não importa estar de acordo ou contra. Importa que tudo é dito, muito antes de haver frieza para isso, sem olhar por cima do ombro. Que dá vontade de ler frases em voz alta perante mesas cheias, só para ver a expressão na cara dos outros. E que tão depressa dá para gargalhar se um homem vem a correr para Portugal quando Salazar cai da cadeira – a contar com agitação – e encontra toda a gente na praia, como o estômago pesa ainda antes de a frase acabar. É que tem muita piada, mas não é uma piada – o que tanto vale para este episódio como para o livro todo.»
Catarina Homem Marques, Time Out
«A ironia é ingrediente que não falta. O humor é uma ferramenta importante?
O humor ajuda a suportar e a relativizar, a pôr um travão aos excessos de entusiasmo e a idolatrias. Aprecio a mentalidade dos países nórdicos, onde é mínimo o apreço pelos heróis e são sempre de proporções modestas as estátuas que a um ou outro se levantam.
Qual acha que vai ser a reacção dos portugueses a esta história?
As pessoas até aos 40, 50 anos vão ficar tristes ou assustadas com a revelação. Depois, os mais velhos, dos 60 anos para cima, vão-se dividir em duas categorias: aqueles que, contra toda a evidência, continuarão a acreditar que houve uma revolução muito bem feita e muito feliz, e os outros, que se vão dar conta de que nem tudo o que reluz é ouro.»
Entrevista de J. Rentes de Carvalho ao i. Portugal, a Flor e a Foice chega às livrarias a 21 de março.
O documentário J. Rentes de Carvalho – Tempo Contado, de António-Pedro Vasconcelos e Leandro Ferreira, terá a primeira exibição no próximo dia 18 de março, às 18h, na Universidade Nova de Lisboa (auditório 1, Torre B).
Durante décadas celebrado no país que o acolheu, a Holanda, e desconhecido em Portugal, o escritor transmontano J. Rentes de Carvalho só nos últimos anos tem tido o reconhecimento merecido. A publicação das suas obras pela Quetzal, desde 2009, e, acima de tudo, a inegável qualidade literária das mesmas impuseram Rentes de Carvalho como um nome maior da literatura portuguesa contemporânea.
O documentário que agora terá a sua estreia é um reflexo desse estatuto entretanto alcançado, uma justa homenagem e uma forma de levar ainda a mais leitores a obra do escritor. Ao longo do filme, entrevistado em Amesterdão e na aldeia transmontana de Estevais, Rentes de Carvalho evoca a sua vida e fala da sua obra, testemunho que é completado pelas pessoas que, na Holanda ou em Portugal, com ele conviveram.
O livro Portugal, a Flor e a Foice chega às livrarias no dia 21 de março. No dia seguinte, sábado, o livro será apresentado pelo jornalista Henrique Monteiro na Fnac Chiado, às 17h, numa sessão que contará com a presença do autor.
Eduardo Pitta, Sábado
Portugal, a Flor e a Foice chega às livrarias a 21 de março.
«Um momento, durante os primeiros meses que se seguiram ao 25 de Abril, houve a esperança de que realmente alguma coisa iria mudar. O Portugal revolucionário ia ser exemplo, um passo em frente para uma Europa nova, o país cuja sociedade garantiria a cada cidadão um lugar digno. Mas quê? Em fins de 1975 as elites de agora são as mesmas de ontem, acrescentadas de uns poucos que, hábeis, subindo a tempo, ocuparam um lugar; diminuídas temporariamente da meia dúzia que, no estrangeiro, confortavelmente, aguarda dias melhores que muito certamente voltarão. Tal como na velha República de 1910, em que os ministros foram quinhentos, interessa ser ministro, garantir as benesses do amanhã.»
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