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Reli recentemente, para a Comunidade de Leitores que oriento na Culturgest. «Uma Barragem Contra o Pacífico» de Marguerite Duras, um livro que foi reeditado pela Difel, no ano passado. Esperava aborrecer-me porque li a Duras de afogadilho quando tinha vinte e poucos anos e recordava, principalmente, a sua escrita experimental, minimalista e os seus textos “cinematográficos “. Achei que me iria aborrecer - agora que sou (muito) mais “madura” e principalmente porque concentrei o meu estudo na Literatura anglo-saxónica ao longo da vida - mas, na verdade, li e reli esta obra com prazer redobrado. «Uma Barragem Contra o Pacífico» é um verdadeiro romance , belamente escrito por uma mulher que já sabia que iria inovar e criar um estilo próprio. No entanto, nesta sua terceira obra, publicada em 1950, no rescaldo da 2ª Grande Guerra, Duras é já impiedosa e desassombrada. A história que ela conta é a sua própria história, a de uma mulher nascida na antiga Indochina (hoje Vietname). Duras é Suzanne, uma jovem que cresce na mais tormentosa pobreza - a dos colonos destituídos - numa terra inóspita e insalubre. Vive com o irmão - violento, terno, preguiçoso, selvagem - e com a mãe, uma mulher dura e louca que tudo faz para sustentar os filhos e tentar sair de uma situação humilhante e desesperada. O livro trata de relações familiares traumáticas, da cupidez e da ganância - a mãe quer casar a filha com um homem rico, muito mais velho, para fugir à miséria - da loucura e, também, de uma certa liberdade eufórica própria de quem nada tem a perder. Não é um livro fácil, mas o facto de se prestar a várias interpretações, torna-o fascinante. Será Suzanne uma presa ou predadora? E Joseph, o irmão, será simplesmente viril e protector ou um fraco que não pode passar sem uma “mãe” que o proteja e sustente (psicológica e fisicamente). E a Mãe, figura portentosa, será um monstro ou uma vítima? Outro aspecto interessante deste livro, para além das complexas relações entre as suas personagens é o retrato de um espaço, de uma sociedade, de um ambiente “colonial” onde são bem visíveis os sinais de decadência e de anunciada mudança. Aqui, o colonialismo não está ligado ao luxo, às casas com piscina, aos inúmeros criados para todo o serviço, aos cocktails ao entardecer mas sim com a frustração, a desadequação e a violência de quem não “vinga“ nas colónias e, pelo contrário, é destruído por elas. Suzanne, Joseph e a Mãe não podem conviver com os chineses ou com os vietnamitas - com os habitantes locais - mas são maltratados pelos seus compatriotas e não têm lugar na sociedade afluente dos europeus. Vivamente recomendado.
Helena Vasconcelos é autora de A Infância É Um Território Desconhecido.