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Quetzal

Na companhia dos livros. O blog da Quetzal Editores.

Este foi o texto lido por J. Rentes de Carvalho na cerimónia de entrega do Grande Prémio de Literatura Biográfica APE/Câmara Municipal de Castelo Branco. Permitam-nos que manifestemos a vaidade de publicar um autor que escreve assim:

 

"Os tolinhos. Os bufos. Os convencidos. Os pategos. Os membros e as suas esposas. Os amigos dum gajo que conhecemos há muito e  não é sério. Os fanáticos. Os sinceros. Os que foram maoístas. As bruxas. Os inimigos do povo. As irmãs do Salazar. Os compadres. Os hesitantes. O senhor Pacheco do táxi, do aviário e da bomba da gasolina. Os que comem peixe à sexta-feira. Os sócios benfeitores da Associação dos Bombeiros Voluntários de Oliveira de Azeméis. O médico dos Raios-X. A ex-telefonista da ex-PIDE do antigo regime. O clarim de Caçadores 9. Os filhos do falecido Prof. Dr. Joaquim do Amaral Thorensen Perestrelo Owen Ricciotti Matoso Guedes de Crespo e Bombarral (Marquês de Leça, Irmão da Ordem Terceira, Diplomé des Palmes du Mérite Agricole). O maquinista do ‘Foguete’ que levou o Papa a Braga. Os heróis do mar. Os gloriosos combatentes anti-fascistas. Os gaseados de 1914-1918 (Flandres). A tia da D. Amália Rodrigues. O cauteleiro de Cinfães. Os moradores do terceiro andar do prédio nº 42 do Beco dos Capachinhos 1300-444  Lisboa. Os que só gostam de cerveja. O que comprou as calças do Gungunhana e as ofereceu depois ao Museu de Bragança, donde parece que foram roubadas na noite de 7 de Fevereiro de 1952. A mulher do filho do vizinho do Marcelo. As figuras prestigiosas da nossa política acompanhados (acompanhadas? era o que faltava!) das respectivas esposas. O emigrante que construiu aquela casa. Os visitantes do Jardim da Estrela. Os dez mais elegantes. Os calvos, os obesos, os deficientes motores, os invisuais, os diminuídos mentais - que é como quem diz: os carecas, os buchas, os aleijadinhos, os cegos, os tarados. Os manetas e os gagos. O locutor da Rádio Renascença. O bissexual que casou com a Maria João e na intimidade lhe chama Zé Maria. O senhor doutor que está quase a chegar, não falta nada. Os três da panelinha. Os três. Os que dizem trinta e três. A Trindade. O senhor Pimpim. Os que leram Marx. O reformado que pinta aguarelas e imita muito bem o barulho da água a ferver. O eléctrico dos Anjos. Os senhores guardas. As senhoras guardas. As gentes da autoridade. Os defensores da ordem. A mulher que fugiu ao marido alcoólico e se foi juntar com um cego que tem uma barraca em Chelas. Os tocadores de violoncelo. Os fascinados pelo destino do proletariado. Os holandeses anticolonialistas, vegetarianos, com casa no Algarve. O ex-ministro. A Rosa que gosta muito de crianças. Os enfermeiros. As calistas a domicílio. A menina do quiosque. O bispo de Aveiro. Você e eu."

A Direção da Associação Portuguesa de Escritores divulgou hoje a atribuição do Grande Prémio de Literatura Biográfica ao livro Tempo Contado, de J. Rentes de Carvalho, publicado pela Quetzal em 2010.

 

O júri, presidido por José Correia Tavares, e do qual faziam parte José Manuel de Vasconcelos, Luísa Mellid-Franco e Miguel Real, escolheu a obra de Rentes de Carvalho por unanimidade, entre 50 obras de autores portugueses, publicadas por 25 editoras.

 

O diário Tempo Contado, escrito nos anos de 1994 e 1995, matiza o relato factual com a mestria estilística do autor de Ernestina, La Coca e A Amante Holandesa.

 

J. Rentes de Carvalho junta-se a anteriores galardoados com este prémio como Maria Teresa Saavedra, Eduardo Prado Coelho ou Cristóvão de Aguiar.

 

 

 

 

«Um diário meu não terá a minúcia nem a intimidade das confissões dos de Pepys, ou o veneno destilado nos trinta e dois volumes do de Jouhandeau. Julgo que será, em factos e pensamentos, um relato essencial do dia-a-dia. Diários daqueles em que se anotam minuciosamente os sentimentos, até agora só tive um. Na adolescência. Quando o meu pai o descobriu e julgou encontrar nele a provável razão de, com os meus amores, eu ter descurado o estudo, obrigou-me a ouvir a leitura irónica e declamada que dele fez. Eu tinha dezasseis anos, a humilhação deixou marcas. Hoje, as ameaças desse dia e os insultos, as bofetadas que me deu depois, já não contam. Mas mais do que a dor a humilhação física, o ele ter violado os meus pensamentos e anseios íntimos foi das coisas que nunca consegui esquecer ou perdoar.»

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