«Lisboa, Junho de 1940. Numa Europa a ferro e fogo, a capital portuguesa fervilha, arrancada ao seu torpor pela chegada contínua e caótica de refugiados que tentam escapar às perseguições nazis. A neutralidade (periclitante) de Portugal e a sua posição geográfica fazem do país o destino natural para o caudal incontrolável de fugitivos. Ao Rossio, a “praça nobre” da capital, afluem pessoas das mais variadas nacionalidades, culturas e classes sociais. Cruzam-se, confraternizam, desconfiam umas das outras, enquanto esperam que os navios com destino aos Estados Unidos atraquem no cais, dando-lhes a possibilidade de embarcar. Uns têm dinheiro, outros nem tanto, mas o dinheiro é (quase) tudo: a possibilidade de sobreviver, de mudar de vida, de contornar a burocracia, de manter um certo conforto, ou, simplesmente de ocupar os dias em excursões e repastos, numa tentativa de manutenção de uma certa normalidade. Não são turistas, não são agradáveis passeantes, é gente suspensa entre mundos, dilacerada por sensações e sentimentos contraditórios como alívio, medo, tédio, uma espécie de loucura, um desejo de aventura.»
Helena Vasconcelos, Ípsilon