Ruben P Ferreira assina uma crítica a Deserto sem Saída, de Mohammed Dib, na edição de Agosto de Os Meus Livros. Cinco estrelas.
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Ruben P Ferreira assina uma crítica a Deserto sem Saída, de Mohammed Dib, na edição de Agosto de Os Meus Livros. Cinco estrelas.
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Um excerto do excerto de Deserto Sem Saída, de Mohamed Dib publicado no blogue Pirra.
- Como é que sabe?
- Sei o quê?
- Que não vai acontecer nada.
- Que não vai acontecer nada? Ora, porque penso nisso, meu rapaz: aquilo que nos devia acontecer, já aconteceu.
- O quê? O que é que nos aconteceu?
De repente, Hagg-Bar diz:
- Chiu! Escuta.
- O que se passa, senhor?
- Não, deixa-me ouvir.
- Peço-lhe: diga-me o que se passa.
Com os sentidos alerta e a voz que se contrai num murmúrio, o homem enorme lança, instantes depois:
- Dir-se-ia que alguém mata alguém.
- Não!
- Sim.
Meditativo, Hagg-Bar repete:
- Sim. Tarde de mais.
- O senhor não acredita nisso. Não o diz a sério.
- Não há como saber. Esta imensidão é como uma porta que agora mesmo nos fecharam na cara. O próprio dia é uma outra porta. Haverá algures uma saída? Onde poderíamos encontrá-la? Aconteceu alguma coisa.
A ênfase de Hagg-Bar nestas últimas palavras em tudo se assemelhou ao rugido do leão. Falta apenas uma juba a este leão, mas as bandas do keffieh aí estão para a substituir. O alarme que a sua voz acaba de transmitir ao ar, paira ainda sem se extinguir.
O Deserto sem Saída, de Mohammed Dib | série mediterrâneo
Tradução de Catarina F. Almeida
«Ele, o homem, cantou nessa noite enquanto a noite durou. (...) Cantou para os animais, depois de estes terem rejeitado o dom da palavra. Depois, não se sabe para quem nem para quê terá cantado. À volta da sua voz, não podia haver maior silêncio. O seu canto tão-pouco perturbava a obscuridade. Só as estrelas estremeciam.»
O Deserto sem Saída, de Mohammed Dib | série mediterrâneo
Tradução de Catarina F. Almeida.
A Revista Ler já está nas bancas. José Eduardo Agualusa, em O Lugar do Morto, «espaço onde escritores já desencarnados reflectem, a partir do além, sobre os dias que correm, dedica a sua crónica aos livros», partindo de A Ninfa Inconstante de Cabrera Infante e passando por Cortázar, Nabokov e Fernando Pessoa. José Guardado Moreira escreve sobre O Velho Expresso da Patagónia e José Riço Direitinho sobre O Deserto Sem Saída.
Dois personagens insólitos caminham, perdidos, no deserto. Não se sabe de onde vêm e dirigem-se para um destino improvável. Talvez sejam sobreviventes de uma guerra contemporânea, apenas libertados e já engolidos pela areia sem fim. Hagg-Bar (o amo) e Siklist (o criado) formam uma parelha burlesca que nos remete para as figuras do D. Quixote de Cervantes ou do tearo de Beckett. Neste deserto, bem como na prosa de Mohammed Dib, o Oriente e o Ocidente procuram, juntos, vestígios do seu passado ou futuro comum.
Deserto sem Saída, de Mohammed Dib | série mediterrâneo
Tradução de Catarina F. Almeida
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