«Como quando lê um livro que lhe agrada? Também se abandona?
R: Sim, abandono-me. Claro que fui toda a vida professor de Literatura, há uma relação profissional, uma certa capacidade de analisar, de ver os passos em falso. Mas quando o livro é realmente uma experiência, então é como o baile de Natacha, é o abandono. Isto não tem nada contra a capacidade profissional de julgar, como um músico que toca, e claro que tem a técnica, mas a música não é destruída. O abandono à música, o encantamento de Schubert ou de Mahler não se opõem à técnica necessária para compor e interpretar a música.
Quando escreve, também se abandona ou tem muitas regras?
R: São momentos diferentes. Há talvez três momentos na minha escrita. Por vezes é como uma intuição, uma sugestão que pode ser uma notícia lida no jornal ou uma pequena história portuguesa, ou um rosto, um episódio, qualquer coisa. Então começo a pensar, a deambular sem direção com isso. Se o tema começa a tomar forma, então agarro-o e começo a trabalhar, depende do tema. A história de Às Cegas, que exige muito conhecimento e muitos dados, ou o Danúbio, que precisa de muita investigação, fazem-me pensar. Se a ideia, o projeto não morre nesse momento inicial, é como numa relação sentimental, começamos a ver a pessoa, telefonamos um ao outro, encontramo-nos, bebemos um café, por vezes isso continua, outras vezes não. Se a ideia, o projeto, em agarram, pelo menos do ponto de vista subjetivo, então há uma fase selvagem em que escrevo sem atenção especial ao estilo, na qual não sou realmente mestre daquilo que escrevo, é como…
…é torrencial?
R: É torrencial, é isso. É aí que um livro nasce ou não, não é uma decisão. Se sinto que o livro nasceu, espero, espero sempre, e depois começo um controlo, uma correção muito pedante, muito penosa, muito professoral, muito aborrecida, muito fria. Mas o momento decisivo é antes.»
Claudio Magris entrevistado por Ana Sousa Dias na revista Ler deste mês.