«De vez em quando, as coisas não corriam de feição no Império Português em África. O novo romance de José Eduardo Agualusa relembra-nos o tempo em que os holandeses cobiçavam Luanda, percebendo as fraquezas da pequena metrópole tomada pelos Filipes de Castela. Longe da pequenez da capital, numa altura em que o século XVII ainda era quase uma novidade, um padre pernambucano chega a Angola e tem uma visão que não é a de Nossa Senhora: “Na manhã em que pela primeira vez vi Ginga, fazia um mar liso e leve e tão cheio de luz que parecia que dentro dele um outro sol se levantava. Dizem os marinheiros que um mar assim está sob o domínio de Galena, uma das nereidas, ou sereias, cujo nome, em grego, tem por significado calmaria luminosa, a calmaria do mar inundado de sol.”
O relato celestial de Francisco José de Santa Cruz não vai permanecer idílico, pois em breve, quando a luz se dissipar, perceberá que avistou sem ainda o desconfiar uma das mulheres mais controversas da história de Portugal em África ou de África em Portugal. Dona Ana de Sousa, ou Ngola Ana Nzinga Mbande, ou Rainha Ginga (1583-1663) foi uma rainha dos reinos do Ndongo e de Matamba, no Sudoeste de África. O seu título real na língua quimbundo — Ngola — foi o nome utilizado pelos portugueses para denominar Angola.»
Rui Lagartinho, Ípsilon