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Quetzal

Na companhia dos livros. O blog da Quetzal Editores.

O namorado contempla

O corpo da namorada.

Vê o corpo como está,

Não vê o corpo como foi.

Nem o corpo como será.


Se aquele corpo amanhã

Mudar de peso, de forma,

Mudar de ritmo e de cor,

O namorado, infeliz,

Vai sofrer mesmo demais:

Não calculou o futuro,

A mulher quebrou o encanto,

Ele só vê a mulher

No momento e que a vê.

 

Um poema de Murilo Mendes, escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

No meu poema ficaste

de pernas para

o ar

(mas também eu

já estive tantas vezes)

Por entre versos vejo-te as mãos

no chão

do meu poema

e os pés tocando o título

(a haver quando eu

quiser)

Enquanto o meu desejo assim serás:

incómodo estatuto:

preciso de escrever-te

do avesso

para te amar em excesso.

 

 

Um poema de Ana Luísa Amaral, escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

O corpo não espera. Não. Por nós

ou pelo amor. Este pousar de mãos,

tão reticente e que interroga a sós

a tépida secura acetinada,

a que palpitava por adivinhada

em solitários movimentos vãos;

esse pousar em que não estamos nós,

mas uma sede, uma memória, tudo

o que sabemos de tocar desnudo

o corpo que não espera; este pousar 

que não conhece, nada vê, nem nada

ousa temer no seu temor agudo...

 

Tem tanta pressa o corpo! E já passou,

quando um de nós ou quando o amor chegou.

 

Um poema de Jorge de Sena, escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

Parem já os relógios, corte-se o telefone,

dê-se um bom osso ao cão para que ele não rosne,

emudeçam pianos, com rufos abafados

transportem o caixão, venham os enlutados.


Descrevam aviões em círculos no céu

a garatuja de um lamento: Ele Morreu.

No alvo colo das pombas ponham crepe de viúvas,

polícias-sinaleiros tinjam de preto as luvas.


Era-me Norte e Sul, Leste e Oeste, o emprego

dos dias da semana, Domingo de sossego,

meio-dia, meia-noite, era-me voz, canção;

julguei o amor pra sempre: mas não tinha razão.


Não quero agora estrelas: vão todos lá pra fora;

enevoe-se a lua e vá-se o sol agora;

esvaziem-se os mares e varra-se a floresta.

Nada mais vale a pena agora do que resta.

 

 

Um poema de W. H. Auden escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

No meu poema ficaste

de pernas para
o ar

(mas também eu

já estive tantas vezes)


Por entre versos vejo-te as mãos

no chão

do meu poema

e os pés tocando o título

(a haver quando eu

quiser)

 

Enquanto o meu desejo assim serás:

incómodo estatuto:

preciso de escrever-te

do avesso

para te amar em excesso
 

 

Um poema de Ana Luísa Amaral escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

Amor é o olhar total, que nunca pode

ser cantado nos poemas ou na música,

porque é tão-só próprio e bastante,

em si mesmo absoluto táctil,

que me cega, como a chuva cai

na minha cara, de faces nuas,

oferecidas sempre apenas à água.

Um poema de Fiama Hasse Pais Brandão escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

Ao jurar-me ela seu fiel amor,

palavra que acredito e sei que mente;

deve pensar-me um jovem sem tutor,

nos enganos do mundo inexperiente.

Assim, pensando em vão que me crê jovem,

saiba embora já fui melhor do que hoje,

as suas falas falsas me comovem

e a verdade de parte a parte foge.

Mas porque não dirá ser ela injusta?

Porque não digo minha idade avança?

No amor, idade e anos dizer custa

e é costume de amor fingir confiança.


       Deitamo-nos, mentimos, mente, minto.

       Mentir em culpa é-nos lisonja, sinto.

Um poema de William Shakespeare escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

despede-te de mim, bate devagar à porta:

tenho vontade de recomeçar, reerguer escombros,

ruínas, tarefas de pão e linho, não dar

nome às coisas senão o de um vago esquecimento,


abandono. despede-te de mim como se a vida

recomeçasse agora, não me procures onde

a memória arde e o destino se ausenta.


tudo são banalidades, afinal, quando assim

se recomeça e a vida falha como um material

solar e ilhéu. levamos poucas coisas, basta

um pouco de ar, os objectos fixos, em repouso,


os muros brancos de uma casa, o espaço

de uma mão. arrumo as malas e os sinais,

aquilo que nos adormece em plena tempestade.
 

Um poema de Francisco José Viegas escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

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