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Quetzal

Na companhia dos livros. O blog da Quetzal Editores.

Como posso eu amar-te, se nem sei

como à porta te chamam os vizinhos,

nem visitei a rua onde nasceste,

nem a tua memória confessei.

Que vaga rima me permite agora

desenhar-te de rosto e corpo inteiro

se só na tua pele é verdadeiro

o lume que na língua se demora...

Não deixes que te enganem os recados

na infernal gazeta publicados

que te dão já por escultura minha;

nocturno frankenstein, em vão soprei

trompas de criação, e foste tu

quem me criou a mim quando quiseste.

 

Um poema de António Franco Alexandre escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 


A incompreendida figura do amor

a céu descoberto sem que se exprima

rodeamo-nos de vinganças, medidas, ardis

e enchemos os livros da ardente ausência

de nós próprios

 

Ao entardecer corremos

ao pontão sobre o mar

e a vida só se parece

com alguma coisa que sabemos
 

Um poema de José Tolentino de Mendonça escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

Perguntavas-me

(ou talvez não tenhas sido

tu, mas só a ti

naquele tempo eu ouvia)

porquê a poesia,

e não outra coisa qualquer:

a filosofia, o futebol, alguma mulher?

Eu não sabia

que a resposta estava

numa certa estrofe de

um certo poema de

Frei Luis de Léon que Poe

(acho que era Poe)

conhecia de cor,

em castelhano e tudo.

Porém se o soubesse
de pouco me teria

então servido, ou de nada.

Porque estavas inclinada

de um modo tão perfeito

sobre a mesa

e o meu coração batia

tão infundadamente no teu peito

sob a tua blusa acesa


que tudo o que soubesse não o saberia.

Hoje sei: escrevo

contra aquilo de que me lembro,

essa tarde parada, por exemplo.

 

Um poema de Manuel António Pina escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

O mar, venho ver-lhe a pele a rebentar

ao longo das falésias, o que sempre

me traz a exaltação desses rapazes que circulam

por Lisboa no verão.

O mar está-lhes na pele. Partilho

com eles os quartos das pensões, sentindo as ondas

a avançar entre os lençóis. Perco-me à vista

da pedra onde o mar vem largar a pele.

 

Um poema de Luís Miguel Nava escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

Como a vida sem caderneta

como a folha lisa da janela

como a cadela violeta

— ou a violenta cadela?

 

Como o estar egípcio emudado

no salão do navio de espelhos

como o nunca ter embarcado

ou só ter embarcado com velhos


Como ter-te procurado tanto

que haja qualquer coisa quebrada

como percorrer uma estrada

com memórias a cada canto


Como os lábios prendem o copo

como o copo prende a tua mão

como se o nosso louco amor louco

estivesse cheio de razão

 

E como se a vida fosse o foco

de um baço, lento projector

e nós dois ainda fôssemos pouco

para uma tempestade de cor

 

Um ao outro nos fôssemos pouco

meu amor meu amor meu amor
 

 

Um poema de Mário Cesariny de Vasconcelos escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

Eu quero amor feinho.

Amor feinho não olha um pro outro.

Uma vez encontrado é igual fé,

não teologa mais.

Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo

e filhos tem os quantos haja.

Tudo que não fala, faz.

Planta beijo de três cores ao redor da casa

e saudade roxa e branca,

da comum e da dobrada.

Amor feinho é bom porque não fica velho.

Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:

eu sou homem você é mulher.

Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:

eu quero amor feinho.
 

 

Um poema de Adélia Prado escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

Este poema começa por te comparar

com as constelações,

com os seus nomes mágicos

e desenhos precisos,

e depois

um jogo de palavras indica

que sem ti a astronomia

é uma ciência infeliz.

Em seguida, duas metáforas

introduzem o tema da luz

e dos contrastes

petrarquistas que existem

na mulher amada,

no refúgio triste da imaginação.


A segunda estrofe sugere

que a diversidade de seres vivos

prova a existência

de Deus

e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um

os atributos

que participam da tua natureza

e do espaço criador

do teu silêncio.

 

Uma hipérbole, finalmente,

diz que me fazes muita falta.

 

 

Um poema de Pedro Mexia escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
 

Da nora que nunca tive
E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei um burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

 

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água.

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Em Prasárgada tem tudo

É outra civilização
Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar
 

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

 

 

Um poema de Manuel Bandeira escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.

 


 

 

 

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