Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Quetzal

Na companhia dos livros. O blog da Quetzal Editores.

Leia na edição deste fim de semana um longo artigo de José Tolentino Mendonça sobre Frederico Lourenço e a sua nova tradução da Bíblia — e uma entrevista de Cristina Margato ao tradutor, poeta e professor que acaba de ganhar o Prémio Pessoa 2016.

Sem link.

 

Para o «Observador», Rogério Casanova entrevistou o escritor britânico, que fala de Trump e Clinton, das memórias do amigo Christopher Hitchens e do Holocausto que se lê em «A Seta do Tempo», que agora a Quetzal publicou em Portugal.

Martin Amis tem sessenta e sete anos. Uma frase que não parece mais plausível agora, que tem realmente sessenta e sete anos, do que teria parecido aos vinte e quatro, idade com que publicou o primeiro livro, ou aos quarenta e dois, idade com que escreveu A Seta do Tempo – disponível agora, e pela primeira vez, em tradução portuguesa. De uma forma muito peculiar, tal como o protagonista de Matadouro Cinco (livro de Kurt Vonnegut que terá sido uma das inspirações directas de A Seta do Tempo), a entidade chamada “Martin Amis” parece ter-se desprendido do tempo.

Uma das razões para o efeito é a consistência da sua voz pública – a voz dos livros, dos ensaios, e das entrevistas – que se tem mantido inalterada ao longo dos anos, mesmo que por vezes produza resultados desiguais. Outra é a singularidade hereditária que representa: filho de outro vulto literário britânico, Kingsley Amis, a sua obra foi sendo vista como um ilegítimo prolongamento dinástico da obra do pai, o que ajuda a explicar (esta é, pelo menos, a sua teoria sobre o assunto) a hostilidade com que costuma ser tratado pela imprensa britânica, que o terá despromovido a uma espécie de “Príncipe Carlos do mundo das Letras”, e onde qualquer coisa serve de pretexto para reutilizar os adjectivos que, como macros no Excel, mais o qualificaram ao longo da carreira: “polémico” e “controverso”.

 

Amis falou com o Observador por telefone a partir de Nova Iorque, onde vive desde 2011, numa conversa relativamente desprovida de declarações polémicas, onde abordou, não necessariamente por esta ordem, os macaquinhos no sótão de Christopher Hitchens, Hitler e o Holocausto, o potencial cómico de desordens cronológicas, o apelo da ficção científica, a maneira específica como os poetas olham para citrinos, e o estranho hiato alaranjado que foi o ano de 2016.

 

Leia aqui a entrevista completa.

Feminismo não é um combate de mulheres. Todo o homem que lute por uma sociedade mais justa e mais saudável é – tem de ser – feminista. Não há outro caminho.

 

É a crónica desta semana no Rede Angola:

Escrevo esta crónica numa manhã convulsa em Moçambique: Valentina Guebuza, a mulher mais rica e poderosa do país, filha do antigo presidente da república, Armando Gebuza, foi assassinada com quatro tiros, disparados pelo próprio marido, Zófimo Muiuane.

Neste momento ainda não é possível saber ao certo o que aconteceu. A Rádio Mujimbo propaga enredos de uma violência barroca, capazes de envergonhar Quentin Tarantino.

Ao certo, sabe-se que Valentina morreu e Zófimo está preso. Também se sabe que Zófimo tinha antecedentes de violência doméstica.

Valentina, de 36 anos, era frequentemente referida como uma espécie de Isabel dos Santos moçambicana — dependendo do autor da afirmação, a comparação tanto podia ser entendida como um elogio ou um ultraje. Em todo o caso, ninguém parece ter muitas dúvidas de que o sucesso da infeliz empresária se deveu, em larga medida, à imensa influência do progenitor.

Valentina e Zófimo casaram-se a 26 de Julho de 2014, numa cerimónia ostentosa, que contou com a participação de muitas centenas de convidados, de entre os quais sobressaía, curiosamente, a própria Isabel dos Santos.

Mesmo não se conhecendo ainda pormenores do drama, acredito que este irá relançar a discussão em torno da violência doméstica. A primeira conclusão é que nos nossos países — e suspeito que em todo o mundo — a violência exercida por maridos contra as respectivas esposas é um mal que aflige todas as classes sociais. Sujeitos ricos e poderosos, que estudaram nas melhores universidades do mundo, e se vêem a si mesmos como pessoas sofisticadas e cultas, espancam e humilham regularmente as suas mulheres. As universidades podem formar bons técnicos, mas são raras as que se preocupam em formar homens bons — e o conseguem.

Entre uma besta rica e uma besta pobre, a rica é quase sempre mais estúpida, porque à bestialidade tende a somar-se a arrogância do dinheiro e do poder.

A verdadeira educação adquire-se em casa, com os pais servindo de modelo aos filhos. Isto é particularmente certo no que diz respeito à educação para a não-violência. O grande desafio, em países como Angola e Moçambique, é como educar os pais.

Espero que a morte de Valentina Guebuza possa servir pelo menos para que toda a sociedade moçambicana, e também a nossa, que tantas semelhanças tem com a moçambicana, comece a debater de forma mais séria esta questão. Não é possível continuar a discutir questões ligadas à persistência de mentalidades machistas com um leve sorriso de troça. O machismo mata.

Feminismo não é um combate de mulheres. Todo o homem que lute por uma sociedade mais justa e mais saudável é – tem de ser – feminista. Não há outro caminho.

 

De longe a longe ocupam-me as visões de Swedenborg (1688-1772). Esse famoso sueco, competente em Engenharia Militar, Hidráulica, Teologia, Química, Anatomia e outras ciências, foi um dia visitado por ninguém menos que Jesus Cristo, relatando que várias vezes subiu ao Céu na companhia do Redentor.


Na ocasião em que a entrevistei, também a Santa da Ladeira me disse ter feito duas dessas ascensões, confirmando as palavras do sueco: lá em cima é a réplica exacta do que existe e se passa cá em baixo.

Por razões várias desagrada-me a possibilidade. Então dentro em pouco – na minha idade o tempo voa – dou o último suspiro, chego ao destino e encontro lá o que aqui me afligiu? Ouvir o senhor Marques Mendes? Ver telenovelas e programas de cozinha? O Primeiro Ministro a garantir prosperidade para o ano que vem? Suportar relatos de futebol? Discursos? Intervenções parlamentares? O senhor Matias da farmácia, que começava sempre as frases com um "Ó meu grande amigo!"? Haverá filas de trânsito? Cartazes? Máfia? Políticos corruptos? Banqueiros DDT?
Será que o Céu não existe e é tudo Inferno?

Leia aqui esta crónica no site do CM e releia as anteriores.

Na atribuição do Prémio Pessoa 2016 a Frederico Lourenço, o Expresso recupera a entrevista publicada em setembro, por ocasião do lançamento do primeiro de seis volumes da única tradução integral da Bíblia a partir do grego editados pela Quetzal. Leia a entrevista na íntegra, no site do semanário Expresso_

 

Agora só vejo a Bíblia à minha frente, 12 horas por dia. As coisas que queria concretizar estão muito dentro das ideias que vão surgindo a partir do trabalho que estou a fazer. Gostava de escrever um livro sobre Jesus, e outro sobre os primeiros cem anos do cristianismo. Este conhecimento mais direto da Bíblia leva-me a pensar muitas coisas que não têm lugar no comentário à tradução e que gostaria de desenvolver. São coisas também em relação às quais ainda preciso de tempo para pensar. Ainda não acabei a minha reflexão sobre se sou cristão ou não. Neste momento acho que não sou. Ainda preciso de repensar estas coisas todas. O meu debate interior com o cristianismo ainda não acabou.

Fotografia de © Marcos Borga | Expresso

 

Screen Shot 2016-12-09 at 12.16.46.png

«Penso que a saída do primeiro volume da tradução da Bíblia terá sugestionado o júri para pensar em mim, mas se calhar este prémio tem também que ver com as minhas traduções do grego antigo, e o reconhecimento dessa missão que que tenho tido de dar a conhecer um bocadinho aos leitores portugueses a literatura em língua grega» – declarações de Frederico Lourenço ao Público.

 

O Prémio Pessoa 2016, que distingue uma personalidade que tenha tido uma "intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica" no país, foi atribuído a Frederico Lourenço, foi comunicado nesta sexta-feira no Palácio de Seteais, em Sintra. O presidente do júri, Francisco Pinto Balsemão, sublinhou a "rara erudição" do escritor, tradutor e professor universitário.

A mais recente obra publicada de Frederico Lourenço é uma nova tradução da Bíblia, feita do grego a partir da mais antiga versão dos textos sagrados para os cristãos que chegou à actualidade. O primeiro volume, num total de seis, foi publicado este ano pela Quetzal e o projecto vai estender-se até 2020.

“Penso que a saída do primeiro volume da tradução da Bíblia terá sugestionado o júri para pensar em mim, mas se calhar este prémio tem também que ver com as minhas traduções do grego antigo, e o reconhecimento dessa missão que que tenho tido de dar a conhecer um bocadinho aos leitores portugueses a literatura em língua grega", admitiu ao PÚBLICO Frederico Lourenço.

"Mas o grande protagonismo vai hoje para a Bíblia", acrescenta, referindo-se também à sua vida pessoal, já que esta colossal empreitada o vai ocupar até 2020. O projecto distingue-se também das traduções que publicou  dos dois grandes poemas épicos atribuídos a Homero pela profusão, dimensão e detalhe das notas explicativas. "Traduzi a Odisseia e a Ilíada como os poemas que são, mas na Bíblia há tanta coisa que é preciso explicar, tantas opções de tradução que temos de justificar, que acaba por ser um trabalho mais universitário".

Afirmando-se "muito sensibilizado e muito honrado" por ter recebido o prémio Pessoa, Frederico Lourenço diz que se trata de "um prémio muito especial". E se ao recebê-lo se "pode sentir que se fez um bom trabalho", é uma distinção que "traz também a responsabilidade de se fazer melhor, de se tentar ser merecedor dele".

Frederico Lourenço tem como  "traço singular" ter oferecido "à língua portuguesa as grandes obras de literatura clássica", considerou ainda o júri que, nesta edição, foi constituído por António Domingues, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Maria de Sousa, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião e Viriato Soromenho-Marques, além do presidente Francisco Pinto Balsemão.

O sociólogo António Barreto recordou à Agência Lusa que as traduções dos clássicos por ele realizadas "estiveram nos tops de vendas" de livros. "Trata-se de um trabalho académico muito sério, e que foi muito procurado pelo público, levando os grandes clássicos da literatura universal aos tops de vendas", afirmou. Nos últimos vinte anos, Frederico Lourenço traduziu aIlíada e a Odisseia, de Homero, bem como duas tragédias de Eurípedes,Hipólito e Íon. "Há pessoas, que, na sua actividade, privilegiam o trabalho em equipa, outras preferem o trabalho solitário. O júri do Prémio Pessoa tem sabido combinar e recompensar ambas as opções", acrescentou.     

Frederico Lourenço nasceu em Lisboa, em 1963. Obteve a sua Licenciatura e o seu Doutoramento em Línguas e Literaturas Clássicas na Universidade de Lisboa, tendo leccionado também nessa Universidade, entre 1988 e 2009, antes de assumir o lugar de professor associado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

 Numa entrevista que deu ao PÚBLICO em Setembro explicava a António Guerreiro que este projecto de tradução da Bíblia “é um trabalho de rigor, de literalidade, de captação do sentido original da forma mais próxima possível, tenta dar a ler o grego tal como ele é”. 

O escritor e editor Francisco José Viegas, responsável pelo lançamento desta Bíblia em língua portuguesa, afirmou ao PÚBLICO que a sua reacção ao prémio é de "grande alegria", por duas ordens de razões. "A um nível pessoal, porque sou amigo do Frederico Lourenço, e sinto-me comovido porque é uma pessoa maravilhosa. E como editor é uma grande felicidade porque é o reconhecimento de um trabalho de anos, de divulgação das letras clássicas e da tradução da sensibilidade clássica para a nossa língua." 

Já foram traduzidos três volumes desta nova tradução da Bíblia, encontrando-se o segundo a "entrar na gráfica", para ser editado em Março. O terceiro está previsto ser lançado em Novembro de 2017. Na sua visão, a tradução da Bíblia feita a partir do grego "pode alertar para a importância dos estudos clássicos num país que os está a abandonar, pondo mais pessoas a ler os clássicos e a dedicar mais tempo à leitura daqueles que são os pilares da nossa civilização."

Para além do tradutor, escritor e professor universitário, Viegas destaca também o ensaísta. "Os estudos dele são muito importantes, a relação que estabelece entre as artes, a música, a dança, a poesia e a tradução, o clássico, constituem um valor acrescentado na totalidade da sua obra."

Leia esta notícia no site do Público.

 

Marcelo Rebelo de Sousa disse estar “muito alegre, muito feliz, como cidadão, como académico e como Presidente da República” pela atribuição do Prémio Pessoa a uma “personalidade marcante na universidade portuguesa e na cultura portuguesa”.

O pesidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, demonstrou esta sexta-feira satisfação pela atribuição do Prémio Pessoa ao escritor e filólogo Frederico Lourenço, definindo a distinção como um prémio “justíssimo” a uma “personalidade ímpar”.

“Fico muito alegre, muito feliz, como cidadão, como académico e como Presidente da República”, disse Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas em Lisboa, comentando a distinção à margem de uma visita ao grupo ETE, ligado à economia do mar.

E continuou, sempre num tom elogioso para com o laureado: “Trata-se de uma personalidade ímpar na nossa cultura, trata-se de uma obra também ímpar. As pessoas das mais diversas sensibilidades, religiões, culturas, consideram que é uma obra marcante, e Frederico Lourenço é de facto uma personalidade marcante na universidade portuguesa, na cultura portuguesa”.

Leia a notícia completa no site do semanário Expresso.

 

Uma nova tradução da Bíblia (mesmo se ainda só com os quatro evangelhos) é o acontecimento literário do ano. Releia aqui o artigo de António Marujo para o semanário Expresso, publicado a 9 de Ourubro.

A primeira observação deveria ser uma evidência: uma nova tradução da Bíblia (mesmo se ainda só com os quatro evangelhos) é o acontecimento literário do ano. A Bíblia, como refere Frederico Lourenço (na apresentação geral da obra a propósito da Bíblia grega, que serve de base a esta tradução) é “um marco da cultura universal que — pelo seu valor religioso, estético e histórico — urge conhecer”.

Seria fastidioso enumerar outros apelos do género, desde Goethe a Bono Vox ou a George Steiner. Só isso deveria bastar para reconhecer a importância de uma nova tradução bíblica. Mas, numa realidade culturalmente deficitária em várias áreas como é a portuguesa, é de temer que isso não se registe em toda a sua grandeza. É uma grande alegria, por isso, que alguém com a erudição e a qualidade reconhecida de Frederico Lourenço se abalance a traduzir a Bíblia.

Esta é uma aventura de um homem só, mesmo se não é a primeira vez que acontece em português: o protestante João Ferreira de Almeida e os padres Pereira de Figueiredo e Matos Soares fizeram traduções solitárias, dando todos eles contributos riquíssimos à língua portuguesa.

João Ferreira de Almeida foi, no século XVII, um caso único: tendo ido de Portugal para o sudeste asiático, empreendeu a tradução da Bíblia, que não chegou a concluir antes de morrer na atual Jacarta, em 1691. Mas deixou uma versão que, depois de completada por outros seguidores, foi já impressa em mais de duas mil edições e perto de duzentos milhões de exemplares, em Portugal e no Brasil — o que faz dele, como diz Herculano Alves na biografia que escreveu, o escritor mais editado em português: as Sociedades Bíblicas continuam a publicar o seu texto, que é a referência para os protestantes lusófonos. Uma das últimas versões da Bíblia de Almeida, como é conhecida, foi publicada há uma década, com texto fixado por José Tolentino Mendonça e ilustrações de Ilda David.

A propósito de Almeida, há duas incorreções de Lourenço: ele não fugiu de Portugal para traduzir a Bíblia — os dados mais seguros que atualmente se conhecem apontam para uma saída do país a que se seguiu uma conversão ao calvinismo, já na Holanda ou nas Índias Orientais; e ainda em vida, em 1681 (dez anos antes de morrer), o tradutor da Bíblia viu publicado o seu Novo Testamento.

Na noção de “a Bíblia mais completa em português” tem jogado a informação divulgada pela editora. E isso é verdade, em parte. Mas desengane-se quem pense que estamos perante alguma nova revelação de matéria que nos foi escondida durante séculos. O cânone bíblico, ao contrário do que a fraca literatura de cordel pretende, foi-se fixando ao longo de séculos e foi matéria de grandes debates. Hoje, grosso modo, subsistem dois grandes cânones.

Se em relação ao Novo Testamento (a parte da Bíblia referente a Jesus), os 27 livros que dele fazem parte são aceites por todos os cristãos pelo menos desde o século XVI, já o mesmo não acontece com o Antigo Testamento cristão (ou Bíblia hebraica), sujeito a diferentes arrumações.

Lourenço propõe-se traduzir um dos mais extensos, o da Septuaginta, ou Bíblia dos Setenta (assim chamado porque teria sido traduzido do hebraico para grego por um conjunto de 72 sábios judeus, em Alexandria do Egito, no século III a.C.). A Septuaginta inclui entre 46 e 53 livros, consoante as edições e organização interna.

O mais normal são os 46 livros do cânone usado pela Igreja Católica e boa parte das Igrejas Ortodoxas. (O protestantismo assumiu como canónicos apenas os 39 livros usados pelos judeus da Palestina, retirando da Bíblia os sete que eram usados pelos judeus da diáspora, chamados deuterocanónicos.)

Em rigor, deveríamos, por isso, falar de outra organização da Septuaginta, pois também nesta há versões diferentes. Por exemplo, os livros de Susana e de Bel e o Dragão, que no plano da tradução de Lourenço aparecem separados, fazem parte do cânone católico e estão traduzidos na edição da Bíblia dos Capuchinhos (são os dois últimos capítulos do livro de Daniel). Já os terceiro e quarto livros de Macabeus são considerados pela tradição cristã como pseudoepígrafes, uma espécie de livros de piedade popular, mais ao nível de textos como o Talmude (comentários de rabinos judeus à Bíblia). E esta diferença — de textos, mas sobretudo de arrumação — deveria aparecer mais clara na introdução.

Há outra falta: nunca se refere, nas introduções, a chamada fonte Q, aquele primeiro texto onde Marcos se teria inspirado para escrever o seu evangelho, e que seria depois também fonte de Mateus e Lucas.

É nas introduções que encontramos, aliás, outras reticências: ao dizer que esta tradução privilegia, na tradução e nos comentários, uma forma “não-doutrinária, não-confessional e não-apologética” de compreender o texto grego, Lourenço está a inferir que uma tradução confessional — ou feita por pessoas ligadas às diferentes confissões — é doutrinária e apologética. Mas o próprio, além de se assumir dentro da tradição cristã (ainda que com reservas para com as instituições) reconhece o valor de traduções como as de Almeida, Figueiredo ou dos padres capuchinhos. E a estas poderia acrescentar-se a tradução da Bíblia de Jerusalém, da Escola Bíblica ligada aos padres dominicanos. Todas elas são traduções confessionais, e todas elas têm dado grandes contributos para a evolução dos estudos bíblicos (e da própria língua, com o caso mais espantoso da King James para o inglês). Pode dizer-se, aliás, que tem sido em grande parte a investigação bíblica a fazer mudar várias formas de as igrejas cristãs pensarem e se organizarem.

Uma última referência em relação à prioridade dada à literalidade: é pena que, em algumas ocasiões, ela não vá mais longe. Apenas um exemplo: em Mateus 1, 18, traduz-se: “O nascimento de Jesus Cristo aconteceu deste modo. Estando sua mãe Maria desposada com José — e antes que eles tivessem consumado o casamento...”; em nota, o tradutor acrescenta que esta última expressão, à letra, se traduziria: “antes que se tivessem juntado”.

De resto, sublinhe-se de novo a importância deste trabalho e a grande beleza de determinadas passagens. E verifique-se que, como escreve Frederico Lourenço sobre Jesus: “Bem vistas as coisas, Ele afinal não morreu. Porque a verdade é esta: tanto crentes como não-crentes andaremos às voltas com Jesus nas nossas cabeças, enquanto houver seres humanos na Terra.”

Leia o texto no site do semanário Expresso.

Fotografia de © Marcos Borga | Expresso

Professor universitário, Frederico Lourenço, conhecido como o tradutor da Bíblia e dos grandes clássicos gregos, foi escolha do júri do Prémio Pessoa.

Reunido em Seteais, o Júri do Prémio Pessoa 2016, constituído por Francisco Pinto Balsemão (presidente), António Domingues (vice-presidente), António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Maria de Sousa, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião e Viriato Soromenho-Marques, decidiu atribuir o Prémio Pessoa 2016 a Frederico Lourenço.

Frederico Lourenço nasceu em Lisboa, em 1963. Obteve a sua Licenciatura e o seu Doutoramento em Línguas e Literaturas Clássicas na Universidade de Lisboa, tendo lecionado também nessa Universidade, entre 1988 e 2009, antes de assumir o lugar de professor associado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

O seu percurso profissional e criativo, assinalado pela significativa e abundante bibliografia, é caracterizado pela variedade de interesses e realizações que incluem, para além da centralidade dos estudos clássicos, a música, o romance, a poesia, o teatro, o ensaio, os estudos bizantinos, a germanística e a história da dança. O traço mais singular da sua atividade reside no modo como, ao longo de quase duas décadas, Frederico Lourenço tem vindo a oferecer à língua portuguesa as grandes obras da literatura clássica. Através de um trabalho metódico, revelador de uma ambição servida por rara erudição, Frederico Lourenço traduziu, com rigor, as obras fundamentais de Homero, a Ilíada e a Odisseia, bem como duas tragédias de Eurípedes,Hipólito e Íon. O desejo de disseminar a grande cultura clássica junto do público manifestou-se também na adaptação para jovens das referidas obras de Homero.

Em 2016, Frederico Lourenço publicou o primeiro volume, de um total de seis, do seu mais recente e ambicioso projeto, que se estenderá até 2020: a tradução integral da Bíblia para português a partir das fontes gregas, e respeitando elevados critérios de integração contextual, histórica e linguística, deste livro maior de ressonância universal em toda a história humana. 

 Leia a notícia no site do Diário de Notícias.

O escultor Rui Chafes, distinguido no ano passado com o Prémio Pessoa, afirmou que a atribuição este ano ao escritor e filólogo Frederico Lourenço é “absolutamente justa” e qualificou a escolha do júri como “fantástica”.

 

“Acho absolutamente justa e extraordinária [esta atribuição] e mantém mais uma vez a integridade deste Prémio, que, ao longo dos anos, tem vindo a ter um comportamento isento e exemplar”, afirmou Rui Chafes à agência Lusa.

Rui Chafes destacou o trabalho de Frederico Lourenço em prol das culturas clássicas, “que estão sempre presentes, por isso é que são clássicas, simplesmente as pessoas ignoram que grande parte da sua própria cultura se baseia numa coisa que já existe, numa grande memória coletiva”.

“As culturas clássicas não podem ser esquecidas, e pessoas como Frederico Lourenço, de facto, são essenciais para manter essa chama viva”, disse o artista plástico que se manifestou “muito contente por Frederico Lourenço ir receber o Prémio Pessoa”.

O Prémio Pessoa foi atribuído, na sua 30.ª edição, ao escritor e filólogo Frederico Lourenço, sobre o qual o júri realçou como “traço singular” ter oferecido “à língua portuguesa as grandes obras de literatura clássica”.

A distinção “constitui um exemplo de disciplina, capacidade de trabalho e lucidez intelectual no elevado plano dos estudos clássicos e humanísticos, parte fundamental da vida cultural e científica dos países desenvolvidos”, salientou o presidente do júri, Francisco Pinto Balsemão.

Leia a notícia no site do semanário Expresso.

Fotografia de © Marcos Borga | Expresso

Pág. 1/2

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2010
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2009
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D