«Penso que a saída do primeiro volume da tradução da Bíblia terá sugestionado o júri para pensar em mim, mas se calhar este prémio tem também que ver com as minhas traduções do grego antigo, e o reconhecimento dessa missão que que tenho tido de dar a conhecer um bocadinho aos leitores portugueses a literatura em língua grega» – declarações de Frederico Lourenço ao Público.
O Prémio Pessoa 2016, que distingue uma personalidade que tenha tido uma "intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica" no país, foi atribuído a Frederico Lourenço, foi comunicado nesta sexta-feira no Palácio de Seteais, em Sintra. O presidente do júri, Francisco Pinto Balsemão, sublinhou a "rara erudição" do escritor, tradutor e professor universitário.
A mais recente obra publicada de Frederico Lourenço é uma nova tradução da Bíblia, feita do grego a partir da mais antiga versão dos textos sagrados para os cristãos que chegou à actualidade. O primeiro volume, num total de seis, foi publicado este ano pela Quetzal e o projecto vai estender-se até 2020.
“Penso que a saída do primeiro volume da tradução da Bíblia terá sugestionado o júri para pensar em mim, mas se calhar este prémio tem também que ver com as minhas traduções do grego antigo, e o reconhecimento dessa missão que que tenho tido de dar a conhecer um bocadinho aos leitores portugueses a literatura em língua grega", admitiu ao PÚBLICO Frederico Lourenço.
"Mas o grande protagonismo vai hoje para a Bíblia", acrescenta, referindo-se também à sua vida pessoal, já que esta colossal empreitada o vai ocupar até 2020. O projecto distingue-se também das traduções que publicou dos dois grandes poemas épicos atribuídos a Homero pela profusão, dimensão e detalhe das notas explicativas. "Traduzi a Odisseia e a Ilíada como os poemas que são, mas na Bíblia há tanta coisa que é preciso explicar, tantas opções de tradução que temos de justificar, que acaba por ser um trabalho mais universitário".
Afirmando-se "muito sensibilizado e muito honrado" por ter recebido o prémio Pessoa, Frederico Lourenço diz que se trata de "um prémio muito especial". E se ao recebê-lo se "pode sentir que se fez um bom trabalho", é uma distinção que "traz também a responsabilidade de se fazer melhor, de se tentar ser merecedor dele".
Frederico Lourenço tem como "traço singular" ter oferecido "à língua portuguesa as grandes obras de literatura clássica", considerou ainda o júri que, nesta edição, foi constituído por António Domingues, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Maria de Sousa, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião e Viriato Soromenho-Marques, além do presidente Francisco Pinto Balsemão.
O sociólogo António Barreto recordou à Agência Lusa que as traduções dos clássicos por ele realizadas "estiveram nos tops de vendas" de livros. "Trata-se de um trabalho académico muito sério, e que foi muito procurado pelo público, levando os grandes clássicos da literatura universal aos tops de vendas", afirmou. Nos últimos vinte anos, Frederico Lourenço traduziu aIlíada e a Odisseia, de Homero, bem como duas tragédias de Eurípedes,Hipólito e Íon. "Há pessoas, que, na sua actividade, privilegiam o trabalho em equipa, outras preferem o trabalho solitário. O júri do Prémio Pessoa tem sabido combinar e recompensar ambas as opções", acrescentou.
Frederico Lourenço nasceu em Lisboa, em 1963. Obteve a sua Licenciatura e o seu Doutoramento em Línguas e Literaturas Clássicas na Universidade de Lisboa, tendo leccionado também nessa Universidade, entre 1988 e 2009, antes de assumir o lugar de professor associado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Numa entrevista que deu ao PÚBLICO em Setembro explicava a António Guerreiro que este projecto de tradução da Bíblia “é um trabalho de rigor, de literalidade, de captação do sentido original da forma mais próxima possível, tenta dar a ler o grego tal como ele é”.
O escritor e editor Francisco José Viegas, responsável pelo lançamento desta Bíblia em língua portuguesa, afirmou ao PÚBLICO que a sua reacção ao prémio é de "grande alegria", por duas ordens de razões. "A um nível pessoal, porque sou amigo do Frederico Lourenço, e sinto-me comovido porque é uma pessoa maravilhosa. E como editor é uma grande felicidade porque é o reconhecimento de um trabalho de anos, de divulgação das letras clássicas e da tradução da sensibilidade clássica para a nossa língua."
Já foram traduzidos três volumes desta nova tradução da Bíblia, encontrando-se o segundo a "entrar na gráfica", para ser editado em Março. O terceiro está previsto ser lançado em Novembro de 2017. Na sua visão, a tradução da Bíblia feita a partir do grego "pode alertar para a importância dos estudos clássicos num país que os está a abandonar, pondo mais pessoas a ler os clássicos e a dedicar mais tempo à leitura daqueles que são os pilares da nossa civilização."
Para além do tradutor, escritor e professor universitário, Viegas destaca também o ensaísta. "Os estudos dele são muito importantes, a relação que estabelece entre as artes, a música, a dança, a poesia e a tradução, o clássico, constituem um valor acrescentado na totalidade da sua obra."
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