Em «Remédios Literários», de Ella Berthoud e Susan Elderkin (as autoras estarão no último fim de semana de Setembro no Folio, festival literário de Óbidos), explicam o que é a biblioterapia, ciência muito pouco exata mas que tem mostrado resultados. Pouco sexo? Há sempre uma boa leitura para tratar do assunto, ou, pelo menos, para anudar a não adramatizar, como é o caso de Todas as Manhãs do Mundo, o livro de Pascal Quignard:
Não há uma medida para a «quantidade» de sexo, embora frequentemente se caia na armadilha de estabelecer padrões – e uma das razões é porque se fala bastante de sexo na televisão, nos jornais, no cinema e, claro está, na literatura. A música de Sainte Colombe, uma das jóias do barroco europeu, pode ser um antídoto contra a vulgaridade do mundo – violista exímio, compositor prolífico, homem modesto e austero, a música francesa do século XVII deve-lhe muito. Sobretudo a transcrição, para a música, da melancolia da época. O romance de Pascal Quignard, prodígio de simplicidade, dá conta da morte da sua esposa e da dedicação extrema que dedicará, daí em diante, ao ensino da viola da gamba e à educação das suas filhas, com quem frequentemente toca em conjunto – a música é também um antídoto contra o sofrimento. É nesse ambiente de discrição, delicadeza e harmonia (apenas interrompido pela tristeza do viúvo, assaltado por visões da esposa desaparecida) que Toinette e Madeleine atingem o final da adolescência – até à chegada de Marin Marais, um jovem aluno que quer aprender viola (e que se tornará um compositor brilhante, famoso e escolhido pelo rei). Entre os dois há de criar-se, com o tempo, uma enorme cumplicidade; em algumas aulas, o jansenista Sainte Colombe e o adolescente Marais falam-nos de outra cumplicidade: entre a música e silêncio, entre o vento e o som da viola, entre o pincel do pintor e o instrumento do músico. Mas Marin Marais (folheie o livro, oiça a sua música) quer muito mais do que a harmonia da música; pretende o reconhecimento do mundo e da corte, o que enfurece Sainte Colombe, que o expulsa de casa.
Antes de um epílogo trágico em que a música se eleva para nos comover, Marais ensina Madeleine, sua amante – entre os dois não há vulgaridade nem abismos; a melancolia da música e a sua grandeza bastam para os tornar cúmplices e solitários. O resto, é como nos romances: precisa de ser lido.
Depois de tudo, pode ver o filme de Alain Courneau, com Jean-Pierre Marielle e Gérard Depardieu (de 1991), e escutar «La Rêveuse», uma peça de viola da gamba composta por Marais para Madeleine.