“Em O Rebate, retrato realista de ancestrais comunidades transmontanas, pequena obra-prima da novela portuguesa, alto cume do estilo singular de J. Rentes de Carvalho, cultiva-se uma constelação de valores que possui o seu apogeu ideológico nos romances atuais de autores nortenhos […]: um vitalismo instintivo (Zé Grande, sempre bêbado, dormindo num palheiro, com o cão Fadista), defensor da salvaguarda do pecúlio familiar na quezília das partilhas e da vingança dos desenganos (Marques enche a mulher de “porrada”; Abel Valadares cobiça Mariana, o regedor emprenha a Amélia dos correios), uma psicologia de bicho da terra (o taberneiro Marques); um paganismo panteísta (a festa ou feira de São Lourenço, por que todos esperam), que identifica a natureza com uma lágrima de Deus (Teixeira de Pascoaes), transfigurada numa paisagem humana e triste (a aldeia no seu todo), atestada de obstáculos (pobreza, ausência de canos de esgoto, de eletricidade, de escola, de higiene pública), que são simultaneamente provas à fé e à ação dos homens, um espírito moldado carne em alegria herética (Marques desejando a filha da Barbeita; Louise mostrando as coxas à criançada; Louise na taberna como rainha da festa, acariciada por inúmeros clientes), que convida à exuberância, às ações extremadas, próprias dos heróis ou dos loucos, criticados pela sensatez burguesa (o arcipreste, a Guarda Nacional Republicana), que reduz o desejo ao interesse familiar, e pelo ceticismo pessoal, que, no entanto, não quebra a força dos braços, sempre dispostos a lutar contra a má sorte ou a resistência numa teimosia de lavrador habituado a domar terra, flora e fauna (o padre Carlos).”
Miguel Real sobre O Rebate, no Jornal de Letras