«Deus criou o mundo em Vila Nova de Gaia, numa tarde quente de Maio em 1930. E eu, quando uns quatro anos depois comecei a observar a Sua criação, não o fiz como seria de esperar, apenas com os olhos que Ele me tinha dado à nascença, mas quase exclusivamente através dum binóculo.
Esse irrestível e constante desejo de querer ver tudo de mais perto foi causa de grandes desesperos familiares, gritarias e alguns tabefes. Minha mãe era obrigada a puxar às mãos ambas para me desgrudar da janela, onde eu, horas imóvel a a gozar a agitação do rio e do Porto, corria o risco de ficar raquítico. mas se me obrigavam a movimentar-me o perigo era ainda maior, porque poucos passos dava se, ter o aprelho contra os olhos, perdendo-se a conta das vezes que caí por erro de cálculo ou pelo fascínio de ver que, sem dor, conseguia amputar as pernas e fazer com que os pés me saíssem do peito.»
E no mesmo ano em que nasceu Dinis Machado, nasceu também José Rentes de Carvalho, numa tarde quente de Maio, aqui fotografado em Vila Nova de Gaia, no preciso sítio onde «Deus criou o mundo», como conta neste começo de Ernestina. A imagem é de Abril deste ano, quando o autor de Ernestina guiou as pessoas da Quetzal e mais dois autores da casa, Mónica Marques e Lourenço Mutarelli, pelas ruas de uma Gaia quase esquecida, quase campo, a minutos a pé das Caves e da Ribeira. Rentes de Carvalho escreve todos os dias no blogue Tempo Contado, onde é o patrão da barca. E muito brevemente publicaremos deste autor A Amante Holandesa, mais um romance reeditado pela Quetzal.