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Quetzal

Na companhia dos livros. O blog da Quetzal Editores.

«O nosso detective não escolhe clientes (e haverá os que escolhem?). Ambiciona dar-se bem com a vida, depois de ter tentado o jornalismo. Come pouco, bebe que nem um doido, toma duches de manhã para refrear ressacas, frequenta cabarés, tem um romance quotidiano com uma prostituta e quer deitar-se com a secretária que contratou a dedo sem saber se lhe pode pagar (...)»

 

Na Ler deste mês, hoje nas bancas, Dóris Graça-Dias escreve sobre Cadáver Precisa-se, de Milton Fornaro.

 

 Quatro pregos

 

    «A campainha tocou uma, duas, três vezes. À quarta, Pete praguejou, desceu do escadote, pousou o martelo na mesa da sala e foi abrir a porta das traseiras. Entre os lábios, com a ponta afiada para fora, quatro pregos.

    Mal o viu, reconheceu imediatamente o rosto atrás da rede. Era Carver, Raymond Carver, o vizinho escritor e alcoólico. Um homem metido para dentro, pouco falador. Sabia que ele tinha publicado dois ou três livros de histórias curtas, mas não lera nenhum. Olivia, com o cinismo velhaco que usava contra tudo e contra todos, costumava dizer que se ele fosse um grande escritor, dos verdadeiramente bons, não viveria decerto naquele bairro.

    «Desculpe incomodá-lo, mas pode oferecer-me alguma coisa que se beba?», perguntou Carver, coçando a barba mal feita. Saliva nos cantos da boca seca, olhos semicerrados por causa da luz forte do meio-dia. «Não sei onde meti as chaves de casa e a minha mulher só deve estar de volta daqui a umas horas.» Pete abriu a porta de rede, guardou os pregos no bolso e foi buscar gin, copos, duas cadeiras, um balde de plástico com gelo.

    Daí a muitos anos, pensou, aquele desgraçado de mãos trémulas talvez viesse a inclui-lo, a ele, Pete, com outro nome mas os mesmos gestos, num conto qualquer. Tinha quase a certeza de que o faria. E meia garrafa de gin era um preço perfeitamente aceitável para aceder a essa espécie de eternidade.»

 

 

 

 

  

Um conto de José Mário Silva, com Raymond Carver como protagonista.

(Do livro Efeito Borboleta, Oficina do Livro, 2008)

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