Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Na companhia dos livros. O blog da Quetzal Editores.
«Esta citação sugere não apenas o tom deste livro como algumas das razões pelas quais o seu autor não é um nome instantaneamente familar - e porque devia ser. Frustração inescapável, ocasionais brutalidades e a eterna sombra da falta de dinheiro constituem a realidade de milhões de pessoas numa sociedade competitiva, mas não serão o material ficcional mais atractivo para quem nela vive.»
Luís M. Faria leu Perto da Felicidade - Cold Spring Harbor, de Richard Yates, e escreveu sobre o livro na edição de 23 de Agosto, no Actual do Expresso.
Parem já os relógios, corte-se o telefone,
dê-se um bom osso ao cão para que ele não rosne,
emudeçam pianos, com rufos abafados
transportem o caixão, venham os enlutados.
Descrevam aviões em círculos no céu
a garatuja de um lamento: Ele Morreu.
No alvo colo das pombas ponham crepe de viúvas,
polícias-sinaleiros tinjam de preto as luvas.
Era-me Norte e Sul, Leste e Oeste, o emprego
dos dias da semana, Domingo de sossego,
meio-dia, meia-noite, era-me voz, canção;
julguei o amor pra sempre: mas não tinha razão.
Não quero agora estrelas: vão todos lá pra fora;
enevoe-se a lua e vá-se o sol agora;
esvaziem-se os mares e varra-se a floresta.
Nada mais vale a pena agora do que resta.
Um poema de W. H. Auden escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
No meu poema ficaste
de pernas para
o ar
(mas também eu
já estive tantas vezes)
Por entre versos vejo-te as mãos
no chão
do meu poema
e os pés tocando o título
(a haver quando eu
quiser)
Enquanto o meu desejo assim serás:
incómodo estatuto:
preciso de escrever-te
do avesso
para te amar em excesso
Um poema de Ana Luísa Amaral escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
Amor é o olhar total, que nunca pode
ser cantado nos poemas ou na música,
porque é tão-só próprio e bastante,
em si mesmo absoluto táctil,
que me cega, como a chuva cai
na minha cara, de faces nuas,
oferecidas sempre apenas à água.
Um poema de Fiama Hasse Pais Brandão escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
Ao jurar-me ela seu fiel amor,
palavra que acredito e sei que mente;
deve pensar-me um jovem sem tutor,
nos enganos do mundo inexperiente.
Assim, pensando em vão que me crê jovem,
saiba embora já fui melhor do que hoje,
as suas falas falsas me comovem
e a verdade de parte a parte foge.
Mas porque não dirá ser ela injusta?
Porque não digo minha idade avança?
No amor, idade e anos dizer custa
e é costume de amor fingir confiança.
Deitamo-nos, mentimos, mente, minto.
Mentir em culpa é-nos lisonja, sinto.
Um poema de William Shakespeare escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
despede-te de mim, bate devagar à porta:
tenho vontade de recomeçar, reerguer escombros,
ruínas, tarefas de pão e linho, não dar
nome às coisas senão o de um vago esquecimento,
abandono. despede-te de mim como se a vida
recomeçasse agora, não me procures onde
a memória arde e o destino se ausenta.
tudo são banalidades, afinal, quando assim
se recomeça e a vida falha como um material
solar e ilhéu. levamos poucas coisas, basta
um pouco de ar, os objectos fixos, em repouso,
os muros brancos de uma casa, o espaço
de uma mão. arrumo as malas e os sinais,
aquilo que nos adormece em plena tempestade.
Um poema de Francisco José Viegas escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
Este viver comum
será nosso futuro
É nosso já presente
este amor que não temos
É nosso e nosso o tempo
que de tão longe somos
O pomo puro que negam
branco se fez no dia
Um poema de António Ramos Rosa escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
Como posso eu amar-te, se nem sei
como à porta te chamam os vizinhos,
nem visitei a rua onde nasceste,
nem a tua memória confessei.
Que vaga rima me permite agora
desenhar-te de rosto e corpo inteiro
se só na tua pele é verdadeiro
o lume que na língua se demora...
Não deixes que te enganem os recados
na infernal gazeta publicados
que te dão já por escultura minha;
nocturno frankenstein, em vão soprei
trompas de criação, e foste tu
quem me criou a mim quando quiseste.
Um poema de António Franco Alexandre escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
A incompreendida figura do amor
a céu descoberto sem que se exprima
rodeamo-nos de vinganças, medidas, ardis
e enchemos os livros da ardente ausência
de nós próprios
Ao entardecer corremos
ao pontão sobre o mar
e a vida só se parece
com alguma coisa que sabemos
Um poema de José Tolentino de Mendonça escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
Perguntavas-me
(ou talvez não tenhas sido
tu, mas só a ti
naquele tempo eu ouvia)
porquê a poesia,
e não outra coisa qualquer:
a filosofia, o futebol, alguma mulher?
Eu não sabia
que a resposta estava
numa certa estrofe de
um certo poema de
Frei Luis de Léon que Poe
(acho que era Poe)
conhecia de cor,
em castelhano e tudo.
Porém se o soubesse
de pouco me teria
então servido, ou de nada.
Porque estavas inclinada
de um modo tão perfeito
sobre a mesa
e o meu coração batia
tão infundadamente no teu peito
sob a tua blusa acesa
que tudo o que soubesse não o saberia.
Hoje sei: escrevo
contra aquilo de que me lembro,
essa tarde parada, por exemplo.
Um poema de Manuel António Pina escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
O mar, venho ver-lhe a pele a rebentar
ao longo das falésias, o que sempre
me traz a exaltação desses rapazes que circulam
por Lisboa no verão.
O mar está-lhes na pele. Partilho
com eles os quartos das pensões, sentindo as ondas
a avançar entre os lençóis. Perco-me à vista
da pedra onde o mar vem largar a pele.
Um poema de Luís Miguel Nava escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
Como a vida sem caderneta
como a folha lisa da janela
como a cadela violeta
— ou a violenta cadela?
Como o estar egípcio emudado
no salão do navio de espelhos
como o nunca ter embarcado
ou só ter embarcado com velhos
Como ter-te procurado tanto
que haja qualquer coisa quebrada
como percorrer uma estrada
com memórias a cada canto
Como os lábios prendem o copo
como o copo prende a tua mão
como se o nosso louco amor louco
estivesse cheio de razão
E como se a vida fosse o foco
de um baço, lento projector
e nós dois ainda fôssemos pouco
para uma tempestade de cor
Um ao outro nos fôssemos pouco
meu amor meu amor meu amor
Um poema de Mário Cesariny de Vasconcelos escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
«Eu acho que Roberto Bolaño é uma grandes revelações da literatura do nosso tempo. 2666 é a redescoberta do extraordinário poder do romance e da literatura. (...) Depois de ter lido Bolaño a nossa vida muda um pouco. Quer dizer, não se pode esquecer aquilo que ele deixou escrito, e que é uma tempestade, uma torrente, um delírio - como deve ser a literatura.»
Francisco José Viegas, director editorial da Quetzal, em declarações à Lusa. A peça completa aqui. Mais novidades aqui.
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.
Um poema de Adélia Prado escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
Perto da Felicidade de Richard Yates, por Sandra Gonçalves, no Diário Digital
Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.
A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência
de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.
Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.
Um poema de Pedro Mexia escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
Mais do que sonho: comoção!
Sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.
E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.
Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.
Um poema de David Mourão-Ferreira escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
O tempo seca a beleza,
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.
O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.
O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.
Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.
Um poema de Cecília Meireles escolhido por Vasco Graça Moura para o livro 366 Poemas que Falam de Amor.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.