A crónica desta sexta-feira leva o título «O carro que mais dura»:
Ao entrar nos quarenta, onze de casado, ao fim da tarde veio para uma conversa. Feitos os comentários sobre o tempo, calor demais, ouvidas as queixas sobre o novo chefe, pergunto-lhe como vai da pontada. Assim-assim. Da urgência mandaram-no para o hospital e esteve lá a soro quase três horas. Disseram-lhe que felizmente não tinha febre, receitaram-lhe uns comprimidos azuis, se calhar são esses que agora lhe dão tonturas. Oiço o desabafo com a ideia de que não foi para aquilo que veio. Não foi. Lá em casa as coisas vão de mal a pior, porque já não é só a sogra, é também a mulher. Pegou-se-lhe o feitio da mãe, e ambas, de manhã à noite, é queixa pegada: dor deste lado, aflição daquele, as pernas que incham, a cabeça que zumbe, as dores nas costas, o reumatismo, as agonias, os joelhos, a vista, os calos, a boca amarga... Conta pelos dedos e vai nos onze achaques quando decide parar: - Se não fosse o miúdo, não me importava que o diabo as levasse. Aceno o meu acordo e involuntariamente sorrio do provérbio que me vem à lembrança: "Carro que chia é o que mais dura."