Se em Eça de Queirós há um personagem querido dos Homem esse é o vetustíssimo Jacinto Galeão, que o senhor D. Miguel apanhou do chão numa tarde soalheira de Benfica. O episódio vem na Cidade e as Serras, e é conhecido de todos. Jacinto Galeão abandona o país mal o príncipe embarca em Sines na direcção do exílio definitivo – e os Homem, para manter um módico de decência e não se fingirem de esquecidos, nunca deixaram de mencionar a palavra «Concessão» antes do toponímico «Évora Monte». As coisas são como são e, para os meus antepassados que decoraram mais de duas frases de José Acúrcio das Neves, era o mínimo que podiam fazer: minimizar os estragos, aprender a virtude da derrota e manterem-se afastados da ribalta. Na verdade, creio que Eça de Queirós trataria amavelmente os Homem dessas eras – como personagens vagamente cómicos, inimputáveis acerca da política do seu tempo, respeitadores da gramática, tratando do jardim e guardando bibliografias. Digamos que a nós, os minhotos do Portugal velho, nos coube a melhor parte de Eça – sermos ignorados. Os seus retratos do Chiado, dos Ministérios, das secretarias, das corridas de cavalos, dos adultérios sem glória, dos políticos da Regeneração e do Constitucionalismo, do S. Carlos desafinado e da imprensa de costumes, deixam-nos a salvo. E, além de nos deixar a salvo, acabamos por ser uma das imagens luminosas da Pátria – quando Eça, nas suas cartas, menciona as saudades das estradas do Minho. As «estradas do Minho» é uma maneira de dizer, porque atrás das estradas do Minho vem o Portugal que Eça conhecia de ouvido e que seria o cenário dos romances de Mrs. Trollope, se Mrs. Trollope não fosse inglesa, e se o Monte dos Vendavais não se passasse em Inglaterra.
Nessa época, a nossa família já não lia A Nação nem se incomodava com a religião velha ou com o casamento civil. Estava retirada. Depois da Maria da Fonte e antes da Patuleia, estávamos preparados para os romances de Eça. Aliás, para todos os romances de Eça. O meu avô, administrador de quintas no Douro, tratou mesmo de desenvolver uma investigação minuciosa sobre os pastores anglicanos do Porto, a fim de verificar se existiria algum Craft (como o Craft de Os Maias) depois de ter conferido que era impossível encontrar o rasto do pai da Sra. Condessa de Gouvarinho.
Aliás, era impossível encontrar o nosso rasto. Nós, as velharias, ficávamos de fora, rindo muito, maledicentes e maduros, desse país distante que se corrompia e sofria nas páginas de Eça, decompondo-se como personagens de uma farsa ou de uma comédia. Tínhamos sido vencidos há muito tempo; a democracia, a sociedade liberal, não era assunto nosso. Convinham-nos mais as páginas de A Brasileira de Prazins, de Camilo, o último dos desesperados e provavelmente o último dos miguelistas.
(Continua...)
Texto de Dr. António Sousa Homem, escrito para a apresentação da biografia de Eça de Queirós, de Maria Filomena Mónica.